[f i l m e s d o c h i c o]

31 de ago. de 2005

Ranking do ano (até agosto)



melhores do ano

1 (1) Clean, de Olivier Assayas
2 (5) Um Filme Falado, de Manoel de Oliveira
3 (2) Bom Dia, Noite, de Marco Bellocchio
4 (N) A Menina Santa, de Lucrecia Martel
5 (3) A Vida Marinha com Steve Zissou, de Wes Anderson
6 (4) Guerra dos Mundos, de Steven Spielberg
7 (6) O Aviador, de Martin Scorsese
8 (N) Terra dos Mortos, de George A. Romero
9 (8) Mar Adentro, de Alejandro Amenábar
10 (9) Ninguém Pode Saber, de Hirokazu Kore-eda

Rever o filme de Manoel de Oliveira reforçou sua posição entre os melhores do ano. Impressionante como o filme se renova e fica mais atual e importante a cada visitação. Perde apenas para o trabalho magistral de Olivier Assayas sobre alguém que busca, clichê, seu lugar no mundo. Lucrecia Martel, a melhor cineasta que a Argentina já pariu, ganhou uma vaga certa, assim como o maravilhoso último trabalho de George A. Romero. O ano, para quem foi ao cinema no Brasil, ao contrário daquela velha corrente que insiste em dizer que o cinema acabou ou que sente falta dos velhos tempos, está excepcional.



piores do ano

1 (N) Quanto Vale ou é por Quilo?, de Sérgio Bianchi
2 (3) Em Busca da Terra do Nunca, de Marc Foster
3 (1) Closer - Perto Demais, de Mike Nichols
4 (N) Provocação, de Tod Williams
5 (2) Contra a Parede, de Fatih Akin
6 (4) Jogos Mortais, de James Wan
7 (5) O Massacre da Serra Elétrica, de Marcus Nispel
8 (6) O Operário, de Brad Anderson
9 (10) Blade: Trinity, de David S. Goyer
10 (7) Herói, de Zhang Yimou

Como eu já suspeitava desde que descobri sobre o que se tratava, o novo filme de Sérgio Bianchi assumiu a vaga de pior filme do ano, com sua denúncia-espetáculo em tom gratuito. Assistir ao filme coincidiu com a revisão de Closer, que se revelou menos ruim e com alguns méritos. O filme de Tod Williams, com sua constrangedora cena final, não teve como escapar do top 5. Bianchi, assim como Williams, entram para a categoria de diretores de filmes que fazem mal ao cinema e ao mundo, com sua prepotência e seu discurso vazio, travestidos de ousadia e inteligência.

Na coluna ao lado, tem o link para Números do Chico, onde estou colcando notas de zero a dez para os filmes que estrearam em circuito neste ano.

27 de ago. de 2005

Das casas amaldiçoadas e do que elas escondem



Terror tem que assustar. Isso é mérito máximo para filmes do gênero, mas num ano cheio de tentativas, o número de sustos foi insatisfatório. Na falta deles, durante boa parte da projeção de Chave Mestra, fiquei me questionando sobre talento. Kate Hudson, por exemplo, depois de sua encantadora performance como a Penny Lane de Quase Famosos (Cameron Crowe, 2000), onde foi elogiadíssima, quase ganhou um Oscar e tudo mais, nunca mais fez nada que justificasse tomá-la por grande atriz, ou pior, por boa atriz. Gena Rowlands, pelo contrário, mesmo renegada a papel de vilã em filme de terror, nunca aparece menos que muito eficiente. No filme de Iain Softley, é ela quem dá alguma intenção à história.

Em meio a um gênero quase que totalmente dominado por material escrito no Japão com crianças cabeludas que vêm e vão, é um certo alento assistir a um filme que foge deste gueto, mesmo assinado pelo roteirista que fez a releitura americana para Ringu (Hideo Nakata, 1999). O sobrenatural é quem domina as coisas por aqui mais uma vez: uma espécie de magia negra praticada no sul dos Estados Unidos e sua estranha relação com uma propriedade onde mora um casal de velhos. Softley, em primeira experiência no gênero, filma tudo de uma maneira muito asséptica, apesar da bela direção de arte. A "casa amaldiçoada" nunca parece muito assustadora, embora a elegância da performance de Gena Rowlands tente contribuir para isso. O melhor é o final, que surpreende.



Por falar em casa maligna, vamos a uma das mais famosas. A refilmagem de A Cidade do Horror, clássico do cinema sobrenatural de 1979, tem as assinatura de Michael Bay na produção, o que nunca é um bom sinal, mas, ao contrário do remake gratuito de O Massacre da Serra Elétrica (Marcus Nispel, 2003), também produzido por ele, é um filme surpreendentemente muito bom, dono de alguns dos melhores sustos do ano. O diretor Andrew Douglas se aproveita da tática das aparições-relâmpago para apresentar seus fantasmas, mas não tem vergonha de mostrá-los, deixando-os ao alcance dos olhos o suficiente para garantir os calafrios. O roteiro ainda explora os temores primários, experiências verdadeiramente apavorantes, sobretudo para as crianças. A cena da ida do pequeno Michael ao banheiro é especial.

Lembro pouquíssimo do filme original, visto numa sessão da antiga TV Manchete, mas sei que levei muitos sustos, mérito que se repete aqui. Mas, além de ser assustador, Horror em Amityville elabora um curioso, ainda que insatisfatório, ensaio sobre uma família que tenta estar inteira, completa. Isso é especialmente notado no papel de Ryan Reynolds, que ganha as vezes de vilão involuntário, antes mesmo de conquistar seu posto de herói na sua própria casa. E, em seguida, na cansativa operação de Melissa George para afastar todos os seus do "mal". A dicotomia de que quem deveria proteger se transformou em inimigo faz o filme pontuar.

Chave Mestra
The Skeleton Key, Estados Unidos, 2005.
Direção: Iain Softley.
Roteiro: Ehren Kruger.
Elenco: Kate Hudson, Gena Rowlands, John Hurt, Peter Sarsgaard, Joy Bryant, Maxine Barnett, Fahnlohnee R. Harris, Thomas Uskali, Forrest Landis, Jamie Lee Redmon, Ronald McCall, Jeryl Prescott, Trula M. Marcus, Tonya Staten, Deneen Tyler, Marion Zinser.
Fotografia: Daniel Mindel. Montagem: Joe Hutshing. Direção de Arte: John Beard. Música: Edward Shearmur. Figurinos: Louise Frogley. Produção: Daniel Bobker, Michael Shamberg, Stacey Sher e Iain Softley. Site Oficial: Chave Mestra. Duração: 104 min.

Horror em Amityville
The Amityville Horror, Estados Unidos, 2005.
Direção: Andrew Douglas.
Roteiro: Scott Kosar, baseado no roteiro de Sandor Stern para A Cidade do Horror (1979), e no livro de Jay Anson.
Elenco: Ryan Reynolds, Melissa George, Jesse James, Jimmy Bennett, Chloe Moretz, Philip Baker Hall, Rachel Nichols, Isabel Conner, Brendan Donaldson, Rich Komenick, Annabel Armour, Danny McCarthy, José Taitano.
Fotografia: Peter Lyons Collister. Montagem: Roger Barton e Christian Wagner. Direção de Arte: Jennifer Williams. Música: Steve Jablonsky. Figurinos: David C. Robinson. Produção: Michael Bay, Andrew Form e Bradley Fuller. Site Oficial: Horror em Amityville. Duração: 90 min.

nas picapes: As Ugly as I Seem, The White Stripes.

23 de ago. de 2005

Parece, mas não é



Parece um filme ousado, mas não é tão ousado assim (ou ousadia é mudar o material do filme, fazer filme de plástico?).

Parece um filme muito cheio de referências com sua trilha ora eletrônica, ora retrô (toca até a melhor música do Duran Duran, Ordinary World), mas não é tão
cheio de referências assim (ou elas seriam meio óbvias?).

Parece um filme muito moderno com seus filtros publicitários, sua câmera em movimento, sua montagem rápida, mas não é tão moderno assim (ou você ainda cai nessa?).

Parece um filme inteligente com seus diálogos cheios de brincadeiras, com seu roteiro intrincado, daqueles em que se tem que fazer muito esforço para não se perder nada, mas não é tão inteligente assim (ou reviravoltas e violência estilizada já são provas de vida inteligente? Em Marte, talvez).

Parece com Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes (Guy Ritchie, 1999), do qual o diretor deste foi produtor, e que já perdeu seu frescor. Parece mesmo. Seis anos depois.

Nem Tudo é o que Parece parece original, mas não tem nada de original.

Nem Tudo é o que Parece
Layer Cake, Grã-Bretanha, 2005.
Direção: Matthew Vaughn.
Roteiro: J.J. Connolly, baseado ems eu livro homônimo.
Elenco: Daniel Craig, Tom Hardy, Jamie Foreman, Sally Hawkins, Burn Gorman, George Harris, Tamer Hassan, Colm Meaney, Marcel Iures, Francis Magee, Dimitri Andreas, Kenneth Cranham, Garry Tubbs, Nathalie Lunghi, Marvin Benoit, Rab Affleck, Sienna Miller, Jason Flemyng, Michael Gambon.
Fotografia: Ben Davis. Montagem: Jon Harris. Direção de Arte: Kave Quinn. Música: Ilan Eshkeri e Lisa Gerrard. Figurinos: Stephanie Collie e Anna Palmgren. Produção: Adam Bohling, David Reid e Matthew Vaughn. Site Oficial: Nem Tudo é o que Parece. Duração: 105 min.

nas picapes: This Magic Moment, Lou Reed.

"Perdão, eu não fiz nada"



A linhagem da qual Hotel Ruanda faz parte geralmente produz filmes muito chatos, dispostos a "passar a limpo" a história. Há uma meia dúzia de longas sobre o apartheid da África do Sul, por exemplo, que enchem mais o saco do que são necessariamente interessantes enquanto filmes. O último trabalho de Terry George segue essa proposta, denunciando a omissão do mundo frente ao massacre de um milhão de pessoas em Ruanda, no início dos anos 90, mas, mesmo com essa contaminação de filmes-expiação não pode ser chamado de mau cinema. George consegue imprimir um ritmo eficiente de thriller ao filme, que é tenso durante boa parte da projeção, embora nunca consiga o impacto que pretende. Don Cheadle, grande ator que deveria ter concorrido ao Oscar desde O Diabo Veste Azul (Carl Franklin, 1996), segura bem o papel, apesar do bom mocismo às vezes exagerado de sua personagem. Não vou nem entrar no mérito da importância histórica ou social do filme, nem no burocrático, que muitas vezes parece querer tomar conta da história. Hotel Ruanda funciona quando se resume a contar uma história (ou uma versão dela), mas se embola feio quando se mostra como pedido de desculpas.

Hotel Ruanda
Hotel Rwanda, Estados Unidos/Itália/África do Sul, 2004.
Direção: Terry George.
Roteiro: Keir Pearson e Terry George.
Elenco: Don Cheadle, Sophie Okonedo, Desmond Dube, Hakeem Kae-Kazim, Tony Kgoroge, Neil McCarthy, Nick Nolte, Fana Mokoena, Lebo Mashile, Antonio David Lyons, Leleti Khumalo, Kgomotso Seitshohlo, Lerato Mokgotho, Mosa Kaiser, Mathabo Pieterson, Ofentse Modiselle, David O'Hara, Joaquin Phoenix, Lennox Mathabathe, Mothusi Magano, Jean Reno, Rosie Motene.
Fotografia: Vincent G. Cox e Robert Fraisse. Montagem: Naomi Geraghty. Direção de Arte: Johnny Breedt e Tony Burrough. Música: Rupert Gregson-Williams, Andrea Guerra e Martin Russell. Figurinos: Ruy Filipe. Produção: Terry George e A. Kitman Ho. Site Oficial: Hotel Ruanda. Duração: 121 min.

nas picapes: Million Voices, Wycleaf Jean.

22 de ago. de 2005

Bonito, ordinário, brasileiro



A pequena história de uma família, um pequeno retrato do Brasil. A cinebiografia da dupla sertaneja Zezé di Camargo e Luciano é exatamente isso: um filme pequeno. Isso não necessariamente ruim já que, na maioria das vezes, as histórias pequenas são mais interessantes do que as histórias grandes. Mas a pequena história dos irmãos resolveu virar filme numa sala de um executivo (ou algo parecido com isso) da indústria fonográfica nacional, que rende alguns milhões de reais para a dupla há uns bons anos. Então, a dimensão da história já não é mais tão pequena assim.

Ora, se Zezé di Camargo e Luciano venderam vinte milhões de cópias (e o filme adora falar em milhões), o que credencia a dupla um quê de imensamente popular, há muitos outros milhões de brasileiros que não compraram dos discos dos irmãos goianos. Muitos porque provavelmente não têm condição de ficar comprando discos. Mas muitos outros porque simplesmente não gostam muito daquela música, que é ruim mesmo. Então, o filme tinha muita gente a conquistar. O caminho foi apostar na identificação.

2 Filhos de Francisco é exatamente o que dizem: a luta de um pai sonhador em dar um futuro para seus filhos. Mas o diretor Breno Silveira, que estréia com disposição na direção de um longa-metragem, trabalhou então com um modelo de trajetória bem sucedida, de modelo a seguir. Primeiro ponto. O segundo é embalar com propriedade este modelo (fotografia bem cuidada, direção de arte bonita, som de qualidade, música - sertaneja - de raiz para não ferir ouvidos mais eruditos). E mais: um elenco bom o suficiente para dar consistência ao roteiro, que, mesmo com muito apreço a um certo maniqueísmo, é, sim, bem escrito e, sim, consegue momentos emocionantes sem necessariamente recorrer a sentimentalismo barato.

O problema é que é só isso: 2 Filhos de Francisco é um filme correto e só. Aliás, um filme bonzinho. Por sinal, o grande mérito é justamente não ser ruim, o que todo mundo esperava que acontecesse por causa da contestada qualidade da obra de seus retratados. Mas não ser ruim tem tanto mérito assim? Porque, a certo momento, aquela história comprida demais, todo mundo é bonzinho demais, o filme começa a ficar pasteurizado demais, produto demais. Ser produto não é ruim, ainda mais quando isso faz parte da essência do objetivo do filme: vender-se. Os Bradescos e afins da vida não me incomodaram tanto quanto o final, onde os idealizadores-retratados não resistiram a uma "participação especial". Onde a auto-louvação surge redentora, mesmo que pareça sincera, justificada e merecida. Onde o esforço para dar mérito ao filme diminui. Onde o longa dá sua reviravolta: revela que foi feito para fãs. Onde o filme perdeu uma estrela.

2 Filhos de Francisco
2 Filhos de Francisco - A História de Zezé di Camargo e Luciano, Brasil, 2005.
Direção: Breno Silveira.
Roteiro: Patrícia Andrade e Carolina Kotscho.
Elenco: Dablio Moreira, Marco Henrique, Ângelo Antônio, Dira Paes, Márcio Kieling, Thiago Mendonça, Paloma Duarte, Lima Duarte, José Dumont, Wigor Lima, Maria Flor, Natália Lage, Jackson Antunes, Pedro, Thiago.
Fotografia: André Horta. Montagem: Vicente Kubrusly. Direção de Arte: Kiti Duarte. Música: Berna Ceppas e Jaime Alem. Figurinos: Cláudia Kopke. Produção: Luiz Noronha, Leonardo Monteiro de Barros, Pedro Buarque de Hollanda, Breno Silveira, Luciano di Camargo, Emanoel Camargo e Rommel Marques. Site Oficial: 2 Filhos de Francisco. Duração: 132 min.

nas picapes: Solsbury Hill, Peter Gabriel.

A pessoa é para o que nasce



O cinema dos irmãos Dardenne parece ser o cinema sobre o embate entre o homem e o inevitável. Em O Filho (2002), o inevitável surgia na impossível relação desenhada entre o homem, o habitué Olivier Gourmet, e o garoto. O desfecho daquele filme, mesmo que a história queira nos propor o acaso, parecia cristalizar um certo conformismo com conceitos como "destino". O que não é, o que não é para ser. Parecia, inclusive - e eu peguei algumas brigas por dizer isso -, uma solução de certa forma vingativa. Um desfecho-punição que não apenas impossibiliza uma relação fadada ao fracasso como surge como alento para a dor do protagonista.

No Panorama do Cinema Mundial, que terminou na semana passada, em Salvador, aconteceu uma retrospectiva da obra dos Dardenne. Bem completa, por sinal. Os horários não foram muito dóceis comigo então só pude assistir a dois dos trabalhos da dupla; dois dos mais famosos. A Promessa, de 1996, mostra a temática dos irmãos ainda engatinhando. No filme, o embate com o inevitável se dá quando o jovem resolve se rebelar contra os métodos do pai, com os quais ele nunca concordou muito, mas que nunca haviam o incomodado tanto.

A partir daí, a história sobre imigração ilegal se transforma numa pequena batalha de ideais, onde o homem puro tenta fugir do homem corrupto. Fugir e desfazer os atos do outro. A condução, por vezes, tropeça em algumas fórmulas e na limitação do jovem ator, mas os Dardenne conseguem resolver o filme muito bem, com uma mudança completa de prisma, onde a africana clandestina decide que sua "missão" importa muito mais do que seu futuro. O espectador não vai ver, mas é ali que começa a guerra pela justiça.

Rosetta, filme de 1999, obra mais conhecida dos irmãos, Palma de Ouro em Cannes, é um círculo. A personagem-título é a conformista, por natureza. Sua vida, seu dia-a-dia, seus problemas são tudo o que ela tem. Quando se vê sem eles, Rosetta perde seus parâmetros, seu conforto, é obrigada a transformar sua rotina, seu passo-a-passo. Aos poucos começa a reconstruir sua vida e a adotar novos hábitos, um novo cotidiano. Os Dardenne filmam num esquema de ultra-realismo, onde a câmera que nunca pára funciona muito melhor do que nos filmes do Dogma, mas com uma função completamente diferente: lá ela era reformista, aqui serve para humanizar as personagens.

Os irmãos são meio impiedosos com sua personagem. Rosetta não tem escrúpulos quando o assunto é resgatar o conforto. Impiedosa, faz o que pode para reestabelecer seu posto no mundo. Rosetta quer muito existir, mas não exatamente significar. Tanto que, quando surge a primeira oportunidade de voltar a sua condição inicial, a moça não pensa duas vezes. Rosetta são os Dardenne reiterando sua crença no inevitável, na pessoa que é para o que nasce. Mas nunca o conformismo foi tão bonito, tão triste, tão de verdade. Um filme muito revelador.

A Promessa
La Promesse, Bélgica, 1996.
Direção e Roteiro: Jean-Pierre e Luc Dardenne.
Elenco: Jérémie Renier, Olivier Gourmet, Assita Ouedraogo, Frédéric Bodson, Florian Delain, Hachemi Haddad, Alain Holtgen, Sophie Leboutte, Rasmane Ouedraogo.
Fotografia: Alain Marcoen. Montagem: Marie-Hélène Dozo. Direção de Arte: Arvinder Grewal. Música: Jean-Marie Billy e Denis M'Punga. Figurinos: Alex Kavanagh. Produção: Hassen Daldoul, Luc Dardenne e Claude Waringo. Duração: 93 min.

Rosetta
Rosetta, Bélgica, 1999.
Direção e Roteiro: Jean-Pierre e Luc Dardenne.
Elenco: Emilie Dequenne, Fabrizio Rongione, Anne Yernaux, Olivier Gourmet, Bernard Marbaix, Florian Delain, Thomas Gollas, Colette Regibeau, Frédéric Bodson.
Fotografia: Alian Marcoen. Montagem: Marie-Helene Dozo. Direção de Arte: Igor Gabriel. Música: Jean-Pierre Cocco. Figurinos: Monic Parelle. Produção: Jean-Pierre Dardenne, Luc Dardenne, Laurent Petin e Michele Petin. Site Oficial: Rosetta. Duração: 95 min.

nas picapes: Adeus, Maria Fulô, Mutantes.

21 de ago. de 2005

Segredos de família



Não que eu seja um especialista no diretor, mas A Vida Secreta dos Dentistas parece ser o melhor filme de Alan Rudolph. Aqui, apesar da invenção narrativa, o tom pedante que se sobressai em outros longas do cineasta é completamente diluído no bom texto e nas boas interpretações de Campbell Scott e Hope Davis, nesta crônica sobre fidelidade e casamento. Ao contrário de outros filmes que chegaram aos cinemas neste ano e versam sobre o mesmo tema, a traição não é o foco da história contada por Rudolph, mas a relação de parceria e dependência entre o homem e a mulher. Fugindo de um esquemático modelo melodramático comum a histórias do tipo, o filme se estrutura num clima entre o nonsense, o melancólico e blasé, onde as personagens revelam suas fragilidades pouco a pouco. O viés psicológico de se aproveitar de elementos do seu dia-a-dia para rearranjar uma ordem realista funciona muito bem, embora a personagem de Denis Leary aparece exageradamente. Campbell Scott tem uma interpretação surpreendente: praticamente segura o filme nas costas já que o papel de Hope Davis, bem também, vai diminuindo a cada momento. O filme mais estranho do ano. Inclusive porque é muito bom.

A Vida Secreta dos Dentistas
The Secret Lives of Dentists, Estados Unidos, 2002.
Direção: Alan Rudolph.
Roteiro: Craig Lucas, a partir da novela The Age of Grief, de Jane Smiley.
Elenco: Campbell Scott, Hope Davis, Denis Leary, Robin Tunney, Peter Samuel, Jon Patrick Walker, Gianna Beleno, Lydia Jordan, Cassidy Hinkle, Adele D'Man.
Fotografia: Florian Ballhaus. Montagem: Andy Keir. Direção de Arte: Ted Glass. Música: Gary DeMichele. Figurinos: Amy Westcott. Produção: Campbell Scott e George VanBuskirk. Duração: 104 min.

rodapé: o curta Vinil Verde, de Kléber Mendonça Filho, é ótimo. Simples, muito bem editado, sonorizado e fotografado (embora não exiba nenhuma grande novidade); um pequeno conto de horror para crianças narrado em off num tom absolutamente encantador.

nas picapes: Mandy, Barry Manillow.

20 de ago. de 2005

Doa a quem doer, custe o que custar



O próximo passo do cinema de Sérgio Bianchi talvez seja o da metalinguagem. Um dos intertítulos de Quanto Vale ou é por Quilo? é "A Denúncia como Negócio". Seria uma extensão natural de seu cinema tão socialmente engajado, tão sarcasticamente questionador se ele mesmo colocasse em cheque tudo o que ele fez até hoje. Mas infelizmente o tempo do verbo ainda é seria porque Bianchi não parece muito disposto a ressaltar os maiores deméritos de sua obra. O novo filme do diretor se leva muito a sério mesmo com tom de farsa que adota o tempo todo para tecer sua crítica ao terceiro setor, em primeiro plano, e à sociedade brasileira, num objetivo mais ambicioso.

Sim, Bianchi não gosta muito do Brasil. Para ele, o país se enveredou por um caminho de inversão de valores do qual ninguém escapa, que está intrinsecamente ligado à cultura brasileira. Desde o tempo em que a história ainda engatinhava na civilização instalada no Brasil, a corrupção e suas conseqüências estão espalhadas por todos os lugares. Bianchi recorre ao Arquivo Nacional para dar densidade a sua denúncia. Como todos os filmes-denúncia que infestam os cinemas hoje em dia, Quanto Vale ou é por Quilo? assume um tom documental para fazer verdade o discurso de seu autor. Não importa o quanto este tom custe o que há de cinematográfico num filme para cinema. Bianchi ergue seu filme numa estrutura de especial televisivo tipo os que mostram o quanto Michael Jackson é pedófilo.

O diretor decide não poupar seu espectador de nada e, para tamanho feito (que implica num certo convencimento do público do quão significativa e importante é seu trabalho), apela para as mesmas táticas que se mostra disposto a rechaçar. Como, por exemplo (há uma lista imensa), quando abusa em imagens que mostram mendigos que vomitam e crianças acorrentadas. Sob a égide do real, o justiceiro Bianchi explora os excluídos na mesma moeda que seu inimigos camuflados, a sociedade brasileira, a elite que corrompe até a professora da escolinha.

Sem conseguir dar muita consistência a uma personagem sequer, o roteiro aposta na pulverização, o que, invariavelmente, reforça a idéia de como o Brasil está contaminado pelos conceitos deformados de ética, justiça, ajuda ao próximo. Há muitos e muitos atores. Muitos atores bons até. Nenhum com um papel decente. Tudo por causa da concepção do texto, que muitas vezes parece saído de candidato derrotado à presidência de diretório acadêmico de curso de comunicação.

Há um patético Herson Capri limpando o paletó quando a velhinha faxineira vem agradecer o emprego, há uma gordinha deslumbrada que sonha com seu futuro alternativo e não pára de arregalar os olhos, há Joana Fomm e Ariclê Perez, duas damas que interpretam duas damas num dos diálogos mais constrangedores do filme, e, por fim, há Lázaro Ramos tentando arrancar alguma densidade do presidiário intelectual engajado que surge para fazer justiça social. Não que o filme de Bianchi seja filho único na última safra do cinema brasileiro, tão preso, tão profundamente dependente de temas que evocam o Cinema Novo, que imprimia a sua feitura a revolução que clamavam seus autores. Qual é mesmo a importância de Amarelo Manga, Contra Todos e Cama de Gato, filmes que gritam, gritam e não sabem muito bem o porquê de estarem gritando?

Em Quanto Vale ou é por Quilo?, não é muito diferente, mas a farsa orquestrada como ópera bufa por Bianchi, que parece ser o primeiro a não acreditar muito no que está dizendo, tem algo de revelador: a "verdade" parece só poder aparecer sob a forma do absurdo. Seria o circo pelo circo, o circo pegando fogo. Não parece ter alguma nobreza em sua altiva denúncia. Mas há uma cena que revela dignidade por parte do diretor. É quando são entregues os computadores numa escola pobre. Depois da inauguração oficial, a molecada invade a sala onde estão os pecês e manda ver nos teclados, monitores e CPUs, empurrando alguns deles no chão. São animais em frente a um brinquedo novo que eles não entendem nem querem entender. Primatas em guerra com a máquina pelo prazer da anarquia. É nessa cena que Bianchi assume que pensa muito parecido com os vilões que seu filme elege. É nessa cena que ele se mostra tão canalha quanto os canalhas que ele quer muito denunciar.

QUANTO VALE OU É POR QUILO?
Quanto Vale ou é por Quilo?, Brasil, 2005.
Direção: Sérgio Bianchi.
Roteiro: Sérgio Bianchi, Eduardo Benaim e Newton Canitto (com colaboração de Sabina Anzuanegui), a partir de argumento escrito pelos três e por Iná Camargo Costa e do conto Pai Contra Mãe, de Machado de Assis.
Elenco: Ana Carbatti, Cláudia Mello, Herson Capri, Caco Ciocler, Ana Lúcia Torre, Sílvio Guindane, Myriam Pires, Lena Roque, Lázaro Ramos, Leona Cavalli, Umberto Magnani, Joana Fomm, Marcélia Cartaxo, Odelair Rodrigues, Ariclê Peres, Zezé Motta, Antônio Abujamra, Ênio Gonçalves, Calara Carvalho, Noemi Marinho, Caio Blat, José Rubens Chachá e as vozes de Milton Gonçalves, Valéria Grillo e Jorge Helal.
Fotografia: Marcelo Copanni. Montagem: Paulo Sacramento. Direção de Arte: Jussara Perussolo. Figurinos: Carol Lee, David Parizotti e Marisa Guimarães. Produção: Paulo Galvão. Site Oficial: Quanto Vale ou é por Quilo?. Duração: 104 min.

rodapé: vi dois curtas baianos durante o Panorama do Cinema Mundial, que terminou na quinta-feira, em Salvador. Capôra, de Jairo Eleodoro, que tem preocupações ecológicas até inocentes assume uma acertada forma de mistura entre documentário sobre a exploração da Mata Atlântica e ficção sobre a exploração do homem, com câmera digital bastante criativa. Já O Anjo Daltônico, de Fábio Rocha, com muito mais dinheiro, feito em película, com fotografia cuidadosíssima, se perde com tanta propriedade em suas intenções intelectuais ("o sertão é plural"; "quem nunca contou uma mentira não conhece a verdade") que estraga quase todos os seus méritos.

nas picapes: High and Dry, Radiohead.

19 de ago. de 2005

Meu blogue e os do Tobey e do Filipe Furtado foram citados numa seleção de blogues de cinema no site Spiner. Quem quiser conferir, é só clicar aqui.

18 de ago. de 2005

O ano de 2005 em notas.

16 de ago. de 2005

A próxima página do cinema brasileiro

"E você, gosta de cinema?". O menino de uns de 16, 17 anos fez uma cara que não, mas logo disse que tinha feitos uns testes. "Ah, você quer ser ator...". Nos bastidores dos festivais de cinema, conversas de todos os tipos. Eu, provavelmente, vou conseguir ver pouca coisa no Panorama do Cinema Mundial, que acontece em Salvador até o dia 18. Culpa dos meus horários, como sempre. Mas no fim de semana passado, vi meu primeiro filme na mostra. Logo na chegada para a sessão de Bens Confiscados, último longa de Carlos Reichenbach, poucas pessoas esperavam na ante-sala de onde o filme seria projetado.

Entre elas, uma mulher de quem eu sentei próximo. Um café e um catálogo depois, eu já estava do outro lado da sala. Quando ouvia outra conversa sobre a criação de um pólo de cinema na Bahia, meus ouvidos e os ouvidos das outras pessoas que estavam no local foram invadidos por "pelas ruas onde andas / onde mandas todos nós / somos sempre mensageiros / esperando tua voz". Era Dona, do Sá & Guarabyra, num lugar onde o máximo que eu esperaria era um Bob Marley ou um Los Hermanos, sei lá. A voz era a da moça que estava sentada perto de mim. Moça que logo fez alguma amigas, talvez por seus dotes vocais (teve Cidade Marvilhosa e Demais, da Verônica Sabino, no cardápio).

Elas falaram sobre o curta que seria apresentado antes do filme de Reichenbach. A Velha e o Mar, de Petrus Cariry (não sei qual o parentesco dele com o Rosemberg Cariry...). As garotas perguntavam o que esperar do filme. A moça, em tom de ameaça, mandou que elas não se deixassem levar pelos códigos que o diretor pudesse lançar para a platéia para, segundo ela, em outras palavras, dar um tom intelectualóide ao filme. Tenham suas próprias conclusões, intimou. "Eu defendo a inteligência como uma mãe defende seu filho", completou. Fiquei com medo. Do filme, não. Da moça. Mas ela era inofensiva. E o filme não era diferente. O curta de Cariry sobre a velha senhora cuja vida levou para à beira do mar, de onde tira seu sustento faz aquela linha "o personagem que se explique" e nada mais. Não é ruim, mas bom está longe de ser. E aí eu segui para o Carlão.



Bens Confiscados tem, a meu ver, as mesmas falhas de Garotas do ABC, filme anterior do diretor, de que eu não gostei muito. E estas falhas passam, diretamente, pelo roteiro, que não raramente tem uns momentos truncados, e pelo texto, que usa algumas frases feitas e lugares comuns. Mas o último trabalho de Reichenbach tem um trunfo impressionante: um acertadíssimo tom melancólico que vai das histórias e movimentos das personagens à fotografia cuidadosa. É como se a paisagem das frias praias do sul fosse absorvido pelo filme como um todo, seja na câmera, seja na condução dos atores.

O mérito não é exatamente do elenco, que de uma maneira geral, está bem fraco, mas da intenção do filme de criar esta atmosfera triste. Betty Faria usa sua canastrice como arma para criar uma personagem frágil. Assim como sua atriz, Reinchenbach não teme se aproximar da farsa (como na roupa da estilista ou nas atuações de André Abujamra, ruim, e Beth Goulart, acima do tom) para dar base para a história que pretende contar. No final, o romance que surge é o que menos interessa. O pequeno encontro, que acontece sem intenção, serve para que os protagonistas reflitam sobre suas próprias angústias. Todas as cenas à beira-mar reforçam esses momentos de reflexão. Se algumas vezes, a palavra é usada em demasia onde poderia haver apenas imagem, Bens Confiscados parece muito sincero em seu propósito de parar e pensar.

Antes de ir para casa, resolvi dar uma chance ao cinema carioca. Bendito Fruto tinha entrado em circuito e o cinema é bem pertinho de casa. No Cinema do Museu, em Salvador, há várias revistas (sobre cinema em si ou sobre cultura em geral) à disposição dos espectadores. Peguei a Bravo! que falava sobre o cinema brasileiro de hoje, que lembrava das estréias de Walter Salles e Fernando Meirelles em língua inglesa. Materinha correta, o que me chamou a atenção foi a sobriedade da entrevista com o Meirelles, que me pareceu bem lúcido e bem pouco deslumbrado. Na entrevista, ou na reportagem, não lembro direito porque li muito rapidinho, alguém disse que os temas do cinema brasileiro continuavam os mesmos do cinema novo: a vida no sertão, as mazelas sociais nas grandes cidades. Achei curioso que eu estava ali justamente para ver um filme que fugia dessa temática.



O trailer induzia o espectador a acreditar que o filme de Sérgio Goldenberg era uma comédia de costumes com aquele acento tipicamente carioca, onde a malandragem parece um conceito muito particular para o Rio de Janeiro e que soa, de certa forma, distante do resto do país. Foge também daquele esquema de peças engraçadinhas com trocadilhos no título que infestam os teatros brasileiros. Bendito Fruto segue uma linha bastante diversa destas, ampliando seu alcance como pequena crônica do cotidiano, fugindo de estereótipos e com algumas soluções muito cinematográficas para as armadilhas propostas.

O texto, que sempre é acessível e popular, não apela para o vulgar e tem um timing para comédia muito eficiente. Há um belo número de piadas, algo que geralmente soa depreciativo, durante a projeção. De boas piadas... que se inserem numa história que trata com delicadeza temas como a diferença e o preconceito. O que mais funciona é que isso acontece sem nunca se pretender profundidade ou assumir tom panfletário. O filme, uma comédia essencialmente, tem muitos momentos tristes e, no geral, tem um clima melancólico.

A escalação do elenco também é um acerto, desde a inusitada escolha de Otávio Augusto como protagonista. Quem domina o filme, no entanto, é Zezeh Barbosa, bem distante da versão maluquinha que a consagrou na televisão. Pena que, a certo ponto, o roteiro a abandone um pouco. De resto, há um Eduardo Moscovis correto, uma Camila Pitanga perfeita e uma Lúcia Alves, atriz bem boa que o mundo deixou pra trás, num belo papel, com clima de flashback de rádio FM. O filme é um mosaico surpreendente e bastante funcional. Bendito Fruto pode não ser grande, mas é bem maior do que o Rio de Janeiro.

BENS CONFISCADOS
Bens Confiscados, Brasil, 2005.
Direção: Carlos Reichenbach.
Roteiro: Carlos Reichenbach e Daniel Chaia, com argumento de Reichenbach.
Elenco: Betty Faria, Renan Augusto, Werner Schünemann, Antônio Grassi, Eduardo Dussek, Márcia de Oliveira, Marina Person, Fernanda Carvalho Leite.
Fotografia: Jacob Sarmento Solitrenick. Montagem: Cristina Amaral. Direção de Arte: Luís Rossi. Música: Ivan Lins e Nélson Ayres. Produção: Sara Silveira e Betty Faria. Site Oficial: Bens Confiscados. Duração: 108 min.

BENDITO FRUTO
Bendito Fruto, Brasil, 2005.
Direção: Sérgio Goldenberg.
Roteiro: Rosane Lima e Sérgio Goldenberg.
Elenco: Otávio Augusto, Zezeh Barbosa, Vera Holtz, Lúcia Alves, Camila Pitanga, Eduardo Moscovis, Evandro Machado, Enrique Diaz, Thelmo Fernandes, Mariana Lima.
Fotografia: Antônio Luís Mendes. Montagem: Flávia Celestino e Jordana Berg. Direção de Arte: Cláudio Amaral Peixoto. Música: Fernando Moura. Figurinos: Angéle Fróes. Produção: Martha Ferraris. Site Oficial: Bendito Fruto. Duração: 90 min.

nas picapes: Nem Dawn Fades, New Order & Moby.

15 de ago. de 2005

O sentido da vida?



Um bando de excluídos. Um grupo de marginais que vivem na periferia de um mundo em que as verdades mudaram, em que as certezas se foram. Um conjunto de seres que carregam as as doloridas conseqüências de uma sina que não escolheram. Replicantes em busca do que lhes resta de humanidade, em busca de uma sobrevida. Não, eles não são os mais de 800 mil filiados ao PT, em meio ao inexplicável destino que esmagou toda aquela reserva de esperança, de pureza ideológica que o brasileiro guardava dentro de si, que fazia os jovens de 16 anos irem às urnas mesmo sem ter obrigação porque havia algo em que acreditar. E acreditar costumar ter sua importância.

Os excluídos, os marginais são zumbis. Homens, mulheres, crianças, executivos, papais noéis, palhaços que perderam a vida, mas não morreram. O motivo não existe ou não precisa existir. Eles querem apenas continuar. Os zumbis de George A. Romero ganham do pai algo bem próximo de uma consciência, com direito a memória e uma espécie de tentativa de organziação social. As tribos se organizam socialmente justamente pelo instinto de sobrevivência, pela busca por comida, seja ela carne humana, raízes ou feijão com arroz.

Romero retira a carga da vilania de suas crias. Este posto é entregue a outros e, mesmo assim, nunca fica tão fácil assim caracterizá-los apenas como vilões. Como um papai dedicado, ele entrega aos filhos um motivo, uma direção, ainda que nebulosos e tortuosos. Dá a chance da escolha. Desta vez, os zumbis são apenas mais uma parte do contexto, contexto que pode ter dezenas de leituras políticas, como todo mundo tem apontado, mas que tem um significado muito maior, o de querer mais, o de significar. Porque em determinado momento, a vida (ou a morte) não é mais feita de fogos de artifício.

TERRA DOS MORTOS
Land of the Dead, Estados Unidos, 2005.
Direção e Roteiro: George A. Romero.
Elenco: Simon Baker, John Leguizamo, Dennis Hopper, Asia Argento, Robert Joy, Tony Nappo, Shawn Roberts, Pedro Miguel Arce, Sasha Roiz, Krista Bridges, Alan Van Sprang, Phil Fondacaro, Bruce McFee, Jennifer Baxter, Joanne Boland, Eugene Clark, Simon Pegg, Edgar Wright.
Fotografia: Miroslaw Baszak. Montagem: Michael Doherty. Direção de Arte: Arvinder Grewal. Música: Reinhold Heil e Johnny Klimek. Figurinos: Alex Kavanagh. Produção: Mark Canton, Bernie Goldmann e Peter Grunwald. Site Oficial: Terra dos Mortos. Duração: 93 min.

rodapé: o Filipe Furtado escreveu um texto muito bom sobre o filme para a Contracampo.

nas picapes: The Whole of the Moon, The Waterboys.

13 de ago. de 2005

A história de um filme sem pai



Pois bem, eu gostei de Água Negra, um filme que já chegou aos cinemas junto com uma avaliação tão ruim quanto injusta. Não que eu seja exatamente um defensor do cinema de Walter Salles, que tem alguns tropeços na carreira e cujos melhores filmes são irregulares. Esta primeira experiência internacional do diretor sofreu por duas coisas: primeiro, o preconceito - isso mesmo - de ver um cineasta, digamos, mais autoral numa incursão hollywoodiana com o agravante do gênero escolhido para esse contato inicial com um grande projeto.

A segunda, e mais grave, é o preconceito do diretor para com o filme que, mesmo com a tão divulgada falta de acesso ao corte final, ele mesmo dirigiu. Essa tática de não dar muita atenção ao lançamento do longa, de espalhar aos quatro cantos que foi obrigado a fazer mudanças depois de exibições-testes, de querer subtrair o terror da campanha de divulgação enfocando o drama psicológico (mesmo que ele, o terror, não seja mesmo foco, ele existe no cerne na história e não pode ser ignorado); tudo isso parece bastante covarde da parte de Walter Salles mesmo que seja verdade. Ficar se justificando ou se negando a justificar contou mais pontos contra o filme do que a falta de controle que o diretor teve.

Água Negra é um filme de terror, construído nos mesmos moldes das histórias em voga nos últimos anos: uma questão familiar inacabada, mal resolvida, e um elemento sobrenatural. Tudo isso está na tela. O ponto de partida, bem limitado e cada vez mais recorrente e menos criativo, no entanto, ganha um diferencial, que é justamente o que muita gente não bota fé: há mão de Salles ali, um diretor que o tempo inteiro tenta não entregar uma visão reducionista da questão principal, que paralelamente ao conto de horror que narra constrói uma personagem complexa, nunca gratuita, mergulhada no caos emocional. A Dahlia de Jennifer Connelly, que acredita bastante no seu papel, é uma mulher frágil que tenta ser uma mulher forte.

O que faz de Dahlia grande é justamente o quanto ela tenta matar suas limitações para cuidar de sua filha. Acho grotesco querer minimizar a tragédia da personagem classificando de "frescura" sua fragilidade. A imensa disponibilidade para ser mãe que existe nessa história é muito mais interessante de que qualquer tentativa de fazer susto. Há muito poucas cenas realmente assustadoras, o que frustou bastante o público. O horror ganha contornos bem mais indefinidos. Água Negra era para ser um filme de família. Por isso, é extremamente triste que este filme de família tenha sido abandonado pelo próprio pai. Se Salles defendesse sua cria tanto quanto a personagem de Jennifer Connelly, mesmo sem saber muito bem o que fazer e que direção tomar, se dedica a sua filha, Água Negra sairia muito mais fortalecido.

ÁGUA NEGRA
Dark Water, Estados Unidos, 2005.
Direção: Walter Salles.
Roteiro: Rafael Yglesias, baseado no livro de Kôji Suzuki e no roteiro de autoria de Hideo Nakata e Takashige Ichise.
Elenco: Jennifer Connelly, Ariel Gade, John C. Reilly, Tim Roth, Dougray Scott, Pete Postlethwaite, Perla Haney-Jardine, Matthew Lemche, Elina Löwensohn, Camryn Manheim, Debra Monk.
Fotografia: Affonso Beato. Montagem: Daniel Rezende. Direção de Arte: Thérèse DePrez. Música: Angelo Badalamenti. Figurinos: Michael Wilkinson. Produção: Doug Davison, Roy Lee e Bill Mechanic. Site Oficial: Água Negra. Duração: 105 min.

nas picapes: Passive Manipulation, The White Stripes.

12 de ago. de 2005

Gosto dos Outros: Ana Paul



A General (The General, 1927), de Buster Keaton.
Retrato da simplicidade.

Ouro e Maldição (Greed, 1925), de Erich von Stroheim.
Retrato de uma obsessão.

Uma Mulher para Dois (Jules et Jim, 1961), de François Truffaut.
Retrato de uma paixão I.

A Paixão de Joana D'Arc (La Passion de Jeanne D´arc, 1928), de Carl Theodor Dreyer.
Retrato de uma paixão II.

A Vida de Oharu (Oharu, 1952), de Kenji Mizoguchi.
Retrato de uma decadência.

Era uma Vez no Oeste (Once Upon a Time in the West, 1968), de Sergio Leone.
Faroeste harmônico.

Cães de Aluguel (Reservoir Dogs, 1992), de Quentin Tarantino.
Faroeste contemporâneo.

Onde Começa o Inferno (Rio Bravo, 1959), de Howard Hawks.
Faroeste humano.

Taxi Driver (idem, 1976), de Martin Scorsese.
Faroeste urbano.

Meu Ódio Será Tua Herança (The Wild Bunch, 1969), de Sam Peckinpah.
Faroeste psicótico.



microentrevista

O que te levou a fazer um filme?
Vivo melhor se nunca tiver uma resposta definitiva pra isso.

Dentro do cinema brasileiro de hoje, dá para apontar um autor?
O Godard tem um texto que fala que não dá pra considerar como profissão uma coisa que você faz de cinco em cinco anos. Logo, não vou falar de ninguém que tenha feito um ou dois filmes. Gosto muito do trabalho do João Moreira Salles, um documentarista que filma com o distanciamento da sensibilidade. Mesmo assim, considero o Notícias de uma Guerra Particular um filme banal e equivocado.

Qual foi o filme que mais te chocou?
Não sou de me chocar com nada. Mas Triunfo da Vontade, de Leni Riefenstahl, realmente me deu uns calafrios. É extremamente bem feito, uma composição cinematográfica perfeita, o cinema como linguagem poderosa pra qualquer mensagem.

Um cineasta desnecessário...
Tantos... Frank Darabont, John Singleton, David Fincher, todos que não são sinceros com seus filmes.

A quem você entregaria sua câmera?
A qualquer um que a usasse como janela ou espelho.



Ana Paul, 30 anos, roteirista e documentarista, morando em São Paulo.

11 de ago. de 2005

Começa hoje o Panorama do Cinema Mundial.

Estréiam neste fim de semana em Salvador: Água Negra, do Walter Salles, Terra dos Mortos, do Romero, A Vida Secreta dos Dentistas, de Alan Rudolph, A Sogra, de Robert Luketick, A Pequena Lili, de Claude Miller, e Bendito Fruto, de Sérgio Goldenberg.

Conheça aqui o melhor filme do mês de julho segundo a Liga dos Blogues Cinematográficos.

E, amanhã, sexta, dia 12, Ana Paul no Gosto dos Outros, aqui neste blogue.

10 de ago. de 2005

O oco do mundo



Afinal, sobre o quê é Provocação? Sobre um adolescente que descobre o sexo com uma mulher mais velha? Sobre uma mulher mais velha que transa com um adolescente que parece com o filho dela que morreu porque sua vida está muito triste e vazia e ela quer esquecer da tragédia de perder duas crias enquanto o marido escritor bonachão naturalista não dá a mínima para nada? Sobre um marido escritor bonachão que vive pelado e ganha a vida escrevendo suas metaforazinhas que lhe deram fama e prestígio como escritor de metaforazinhas enquanto usa esta fama para comer uma vizinha problemática e jogar seu charme sobre adolescentes desavisadas?

A resposta é não.

Provocação é prova cabal de que existe um cinema norte-americano muito interessado em tentar parecer arte misturando sexo + solidão + falta de perspectivas, mas que empaca na imensa ausência de discurso que termina em gratuidade numa dimensão desenvergonhadamente patética. Se a intenção era patetizar, palmas para Jeff Bridges, que nunca foi bom ator mesmo, mas que consegue uma interpretação tão ruim (sob o disfarce de que aquilo é bom, muito bom), que salva o filme do marasmo que impregna o texto, a direção, o elenco apático. O divertido é perceber como o ator consegue afundar mais e mais a cada cena, como se fizesse um elogio ao bizarro. E esqueceram de dar o texto a Kim Basinger ou de mandá-la fazer umas expressões faciais mais diferentezinhas (ah, não, é assim mesmo; ela até ganhou Oscar por fazer... nada!!!).

Mas, pensando bem, será que Provocação seria sobre isso, o nada? Pode até ser. Se for, o diretor Tod Williams, que escreveu a bagaça também (aliás, adaptou do livro daquele cara fraco, John Irving, que escreveu Regras da Vida, Lasse Haarghhhllström, 1999), fez um filme muito bom porque ele é sobre nada que tenta parecer tudo, mas não é nada mesmo. É sobre o vento, o céu, o mar, a Mimi Rogers com uma faca na mão ou a irmãzinha da Dakota Fanning (é mesmo!) como uma psicótica-mirim que não sabe viver sem as fotos dos amados irmãos que nunca conheceu. É a litertura barata metida-a-cabeça norte-americana fielmente traduzida para cinema barato metido-a-cabeça norte-americano. Uma bosta.

PROVOCAÇÃO
The Door in the Floor, Estados Unidos, 2004.
Direção e Roteiro: Tod Williams, baseado em livro de John Irving.
Elenco: Jon Foster, Jeff Bridges, Kim Basinger, Elle Fanning, Larry Pine, John Rothman, Harvey Loomis, Bijou Phillips, Mimi Rogers, Louis Arcella, Tod Harrison Williams, Carter Williams.
Fotografia: Terry Stacey. Montagem: Affonso Gonçalves. Direção de Arte: Thérèse DePrez. Música: Marcelo Zarvos. Figurinos: Eric Daman. Produção: Anne Carey, Michael Corrente e Ted Hope. Site Oficial: Provocação. Duração: 111 min.



Closer - Perto Demais (2004), de Mike Nichols.

Revi e me pareceu menos ruim. Na verdade, para fazer um mea culpa decente, a primeira meia hora do filme é muito boa, com cenas bem feitas (o encontro de Law e Portman, o sexo virtual e o aquário), mas o problema é justamente quando começam a aparecer os problemas. É ali que o texto pretende assumir a condição que narrador da condição humana nos relacionamentos amorosos. É ali que Jude Law se revela muito ruim, Julia Roberts apática, e que Owen e Portman, realmente bem melhor tratados pelo roteiro, se destacam porque ele assume bem o descontrolado inteligente que grunhe e ela, dona de um poder de sedução impressionante, consegue transitar especialmente bem entre o frágil e o lascivo. Mas o filme é o caso típico do texto que se pretende porta-voz, revelador, numa linha olha-o-que-tem-ali-atrás-da-porta. E tem aquela cena das putarias (faladas) que muita gente deve ter achado tão verdadeira - ainda mais que eram putarias ditas com o aval da Julia Roberts... E tem aquele clima de amor e sexo, verdades e mentiras, eu-te-amo-porra. O melhor: as passagens de tempo não são explicadas, não têm limites bem estabelecidos, o espectador é forçado a descobrir quanto tempo se passou, o que aconteceu. Mas isso dura pouco e logo temos que nos ver às voltas, mais uma vez, com aquele texto medíocre. Um filme sobre sexo que não tem sexo.

Agenda filmes do chico: sexta-feira, dia 12, a senhorita Ana Paul no Gosto dos Outros.

nas picapes: The Blower's daughter, Damian Rice.

8 de ago. de 2005

Por um punhado de libras



Este aí da foto é Alex Etel, um dos melhores atores do ano. Alex ainda não tem muita técnica, mas sobra nele o que falta em muita gente: carisma. Não é à tôa que é culpa dele que esta fábula contemporânea sobre enriquecimento rápido e ilícito seja um belo filme apesar dos exageros piroctécnicos de seu diretor. Danny Boyle começa a contar sua história com certo louvor à fantasia e à imaginação, ao universo infantil, que ainda eram novidade em sua filmografia, mas em algum ponto não sabe mais como conter o monstrinho que criou e parte para a abstração, que culmina naquela cena final absurda, que lembra a do famigerado Código 46 (alguém sabe o nome daquela musiquinha do final?).

Poderia ter caído no ridículo, mas o filme ganhou um defensor e tanto: o próprio pequeno protagonista. É ele quem se encarrega de fazer a gente acreditar no balaio de boas intenções aprontado pelo roteirista. Esqueça as libras, os euros, eis um homem em formação de caráter, tentando defender o que ele acha certo, tentando entender porque todo mundo quer o que sabe que é errado; criando suas próprias convicções a partir da única coisa que domina: sua imaginação. Quando Damian crescer, e se ele virasse cineasta, com certeza faria filmes como Em Boa Companhia.

CAIU DO CÉU
Millions, Grã-Bretanha/Estados Unidos, 2004.
Direção: Danny Boyle.
Roteiro: Frank Cottrell Boyce.
Elenco: Alexander Nathan Etel, Lewis Owen McGibbon, James Nesbitt, Daisy Donovan, Jane Hogarth, Alun Armstrong, Enzo Cilenti, Nasser Memarzia, Kathryn Pogson, Harry Kirkham, Cornelius Macarthy, Kolade Agboke, Pearce Quigley, Christopher Fulford.
Fotografia: Anthony Dod Mantle. Montagem: Chris Gill. Direção de Arte: Mark Tildesley. Música: John Murphy. Figurinos: Susannah Buxton. Produção: Graham Broadbent, Andrew Hauptman e Damian Jones. Site Oficial: Caiu do Céu. Duração: 97 min.

nas picapes: Would?, Alice In Chains.



Era Uma Vez no México, de Robert Rodriguez.

Entre o inconsistente e o confuso. Embora o inconsistente seja travestido de ode-ao-kitsch, opereta informal, filme-de-amigos e o confuso tente assumir a forma de brincadeira original. Trata-se de uma evolução dos dois mariachis anteriores para o pastelão; evolução natural, eu diria. Alguns atores estão jogados, caso de Mickey Rourke, e outros presos a suas limitações, como Depp e Banderas. Quem surge bem é Rubén Blades. A mania de fazer tudo no filme cometeu uma fotografia bem fraquinha. Impressionante ser do mesmo diretor de um filme tão decididamente maduro quanto Sin City.



Um Filme Falado, de Manoel de Oliveira.

Não há o que acrescentar. Primeiro, é a História. Depois, "é" a História. Se não o melhor filme do ano, é o mais importante. Revendo o filme, é possível perceber mais claramente os sinais que Oliveira espalha pelo longa e que tornam mais dramática e desesperada sua conclusão. A seqüência do jantar torre-de-babel é genial, talvez a melhor cena do ano. E, apesar do belo conjunto de atores, Stefania Sandrelli, a mais discreta, está grande.



Os Incompreendidos, de François Truffaut.

Eu sempre fico tonto com aquele carrossel. Ainda acho o melhor Truffaut e Truffaut me interessa bem mais que Godard, Rohmer ou qualquer outro francês da Nouvelle Vague. Talvez justamente por ser o que, geralmente, menos interessa a todos os meus amigos. Antoine Doinel é alguém extremamente possível em sua fúria natural às vezes incompreensível e gratuita. Ele corre para viver porque a vida não teria sentido de outra maneira. E Truffaut, sempre carinhoso com suas crias, entrega ao moleque a Paris mais bonita, mais escondida, mais particular, embalada por uma trilha linda, do coração.



O Pesadelo, de Stephen T. Kray.

Na verdade, não é tão ruim. Antes de chafurdar em clichês e virar uma mistura de poltergeists e freddy krugers, há uma válida tentativa de reiventar lendas, de explicar mitos. Nada dá muito certo, mas há algum mérito em mexer nesse terreno. No entanto, o produtor Sam Raimi, que começou a carreira invadindo florestas malvadas, poderia ter tentado influenciar mais o diretor. Seria interessante saber sua visão sobre o Bicho Papão. Ou qualquer tentativa de dar validade a esse conceito já nasceria mal das pernas?



A Sétima Vítima, de Jaume Balagueró.

Provavelmente o melhor filme de terror dos últimos tempos, com um clima velho que funciona muitíssimo bem. Não fosse a fraquinha seqüência explicativa, merecia mais elogios por sua capacidade de criar o que todo filme do gênero deveria, bons sustos, utilizando muitas vezes apenas a sugestão. E, nas outras, invadindo a praia do ocultismo, algo naturalmente assustador. A idéia de mexer com a luz e a escuridão é boa.

5 de ago. de 2005

Em algum lugar do futuro



Então, vamos lá. A Ilha é muito chato. A idéia de um filme que bebe na fonte daquelas ficções-científicas sobre futuros perversos e totalizadores parecia animadora, ainda mais com uma dupla de protagonistas tão inusitada para um filme desta linhagem, mas a única coisa que se salva aqui mesmo é a idéia inicial. Porque, além disso, tudo é reciclado sem qualquer tentativa de dar maior frescor ao tom. E porque Michael Bay, reconhecidamente um diretor de filmes barulhentos (onde geralmente há muito barulho e mais nada), é de uma competência estupenda quando o assunto é burocracia.

A Ilha passa longe de ser uma catástrofe, como Código 46 (Michael Winterbottom, 2004), por exemplo, infelizmente inelegível para o Alfred deste ano. Único filme que realmente disputaria com Closer o título de pior filme do ano. Mas é desprovido de qualquer charme. O foco é nas perseguições automobilísticas, nos tiroteios, na violência que conta com o suporte da tecnologia (que só acerta, ainda que com timidez, em alguns elementos da direção de arte). De uma maneira geral, é um longa bem sonolento (eu mesmo dei umas cochiladas perto do final).

Mas o maior pecado do filme é, sem dúvida, entregar um texto tão constrangedor para Ewan McGregor e Scarlett Johansson. Good job, diz a atriz especialmente oxigenada para o filme, depois que seu parceiro "mata" alguns inimigos. Seria uma tentativa de justificar a violência, a porrada, o cinema ruim? Sobram as piadas, aliás, sobra uma piada que sai da boca de Steve Buscemi, explicando quem é Deus para a personagem de McGregor. Na falta de algo melhor, aquela é a melhor cena do filme.

A ILHA
The Island, Estados Unidos, 2005.
Direção: Michael Bay.
Roteiro: Alex Kurtzman, Roberto Orci e Caspian Tredwell-Owen, baseado em estória de Caspian Tredwell-Owen.
Elenco: Ewan McGregor, Scarlett Johansson, Djimon Hounson, Sean Bean, Steve Buscemi, Michael Clarke Duncan, Ethan Phillips, Brian Stepanek, Siobhan Flynn, Max Barkes, Noa Tishby.
Fotografia: Mauro Fiore. Direção de Arte: Nigel Phelps. Música: Steve Jabonsky. Montagem: Roger Barton, Paul Rubell e Christian Wagner. Figurinos: Deborah Lynn Scott. Produção: Michael Bay, Ian Bryce, Laurie MacDonald e Walter F. Parkes. Site Oficial: A Ilha. Duração: 127 min.



QUERIDO FRANKIE
Dear Frankie, Grã-Bretanha, 2004.
Direção: Shona Auerbach.
A trilha é muito bonitinha, presa àquele modelo esquemático com moços tristes cantando canções tristes de maneira muito triste. Tem o mar, bem triste, de algum lugar mais escondido da Grã-Bretanha. A idéia, de uma família desfeita que ganha uma nova composição provisória, não tem muito de novo, mas mesmo se apoiando em alguns clichês não é má. O problema é que o "fantasma da ópera" Geraldo Butler é muito ruim para dar a sua personagem, a mais importante do filme, alguma densidade. No entanto, o clima é bem delicado.

nas picapes: Miss Misery, Elliott Smith.


 
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