[f i l m e s d o c h i c o]

30 de nov. de 2004

ALFRED 2004

Filme, direção, ator, atriz, roteiro, fotografia, música. Dezembro bate à nossa porta e os blogues brasileiros se preparam para a segunda edição do seu prêmio.

29 de nov. de 2004

RAPIDINHAS PARA ATUALIZAR O BLOG 1



Eu que Amo Você , de Olga Stolpovskaya.
Filme visto no Mix Brasil. Bombinha russa travestida de filme inteligente. O clima é daquelas comédias alemãs contemporâneas tipo Doris Dörrie. Apela para elementos mágicos e amalucados e não chega a lugar nenhum.

Garoto Propaganda , de ?.
Típico exemplo dos malefícios que a câmera digital tem trazido. Segundo e último filme visto (até a metade, onde foi possível suportar) no Mix Brasil. A estrutura é de um filme erótico, com uma entrevista como ponto de partida para flashbacks. Alguns com sexo, outros com uma tentativa tosca de se tornar cult. Serviu para ver Karen Allen, a herína do primeiro Indiana Jones, bem envelhecida e perdida no tempo e no espaço.

Lado Selvagem , de Sebastien Lifshitz.
Um grande filme visto numa pré-estréia em São Paulo. O diretor consegue a tarefa difícilima de equilibrar extrema sensibilidade com cenas fortes, sem se render a clichês e panfletarismo. A história do travesti que leva os dois namorados para cuidar da mãe moribunda é muito bem narrada (toda em flashback), profunda e nunca óbvia.

Spartan , de David Mamet.
Tem seus momentos, mas a mente maquiavélica de David Mamet abusou desta vez. Com a desculpa de revirar a trama e, conseqüentemente, invadir os meandros da política norte-americana, fzendo um raio-x em seus personagens, Mamet gastou tempo demais no militarismo e deixou seu filme chato e pouco instigante. A parte final, a melhor, salva o resultado, mas não garante uma média boa. Val Kilmer está muito acima da média.

A Casa das Adagas Voadoras , de Zhang Yimou.
Depois do absolutamente fake Herói, Zhang Yimou finalmente acerta a mão ao voltar ao universo das artes marciais e da história da China. Se o filme anterior apelava para a abstração visual para conquistar um público de gigantes, agora o foco é numa pequena história, bem contada e com efeitos menos espetaculares e mais críveis. Infelizmente, depois de O Tigre e o Dragão (Ang Lee, 2000), nada mais é novidade.

RAPIDINHAS PARA ATUALIZAR O BLOG 2



Capitão Sky e o Mundo do Amanhã , de Kerry Conran.
O visual farsesco é espetacular, no sentido de espetáculo mesmo. E nos remete para uma volta bem agradável ao clima dos filmes de detetive dos anos 40. Jude Law, Gwyneth Paltrow e Giovanni Ribisi, ótimo, se entregam aos personagens e se deixam levar pela trama. O problema maior é que o diretor Kerry Conran não acredita muito no seu universo e faz questão de deixá-lo artificial o tempo inteiro. Se fosse diferente, mais que divertido, Capitão Sky e o Mundo do Amanhã seria delicioso. Coisa de leitor de quadrinhos.

Celular - um Grito de Socorro , de Richard A. Elis.
A pipoca mais bem paga do ano. A história é de Larry Cohen (diretor do clássico Nasce um Monstro, 74), que transforma inverossimilhança em diversão e adrenalina. Uma delícia.

Voltando para Casa , de Agnieska Holland.
Impressionantemente ruim. Completamente ruim, rendido a clichês, com atuações equivocadas e um roteiro artificialesco, com momentos medíocres. Difícil entender como Agnieska Holland fez um filme tão fuleiro.

O Agente da Estação , de Tom McCarthy.
De cara, já chama atenção por ser protagonizado por um anão. O diretor-roteirista tem bastante carinho com a história, mas não arredonda muito os personagens, que são essencialmente boas pessoas. No entanto, o filme tem um clima de calmaria do interior que conquista aos poucos. Os atores, todos bem, inclusive o grandão- bobão-melhor-amigo, driblam com prazer as armadilhas fofinhas do roteiro. O final é o melhor possível.

RAPIDINHAS PARA ATUALIZAR O BLOG 3



Eu Não Tenho Medo , de Gabriele Salvatores.
A fotografia deste filme é uma das mais belas do ano, sem dúvidas. Os quadros produzidos pela paisagem natural do interior da Itália são lindos e emolduram bem a pequena história de um garoto (bom ator) que descobre um segredo numa casa escondida. O final deixa meio a desejar, assume características policialescas, mas até lá, a paisagem já extasiou o espectador.

Ouro Carmim , de Jafar Panahi.
História de Abbas Kiarostami, que segundo ele mesmo em 10 sobre Dez, não gosta muito de filmar roteiros muito fechados e termina entregando-os para os amigos. Panahi, que já tinha feito o mesmo com O Balão Branco (95), dirige com correção a história do ex-militar que entrega pizzas e não consegue mais se adequar ao mundo onde vive.

Retrato de Teresa , de Pastor Vega.
Típico filme social para mostrar a força de uma mulher cubana. Poderia ser apenas um programa chato, mas é muito bom de assitir. Vega ambienta tudo na periferia e sua Teresa é mulher linda, quase brasileira de tão bela e auto-confiante. Não tem muita novidade, mas é bem feitinho. E tem uma cena em que uma loirinha está no sofá ao som de "Yolanda", de Pablo Millanés.

Primavera, Verão, Outono, Inverno... Primavera , de Kim ki-Duk.
Ao contrário de muita gente, eu adorei A Casa Vazia, novo filme do diretor, exibido na Mostra de São Paulo. Fico me perguntando se minha opinião teria mudado caso tivesse visto esta obra anterior primeiro. Esquemático até o último fio da careca dos monges, é um filme que se vende tentando construir a beleza fake a partir dos costumes e paisagens orientais. A relação de causa e efeito permeia o filme inteiro, que trabalha com conceitos bem velhinhos como culpa e redenção. O pior de tudo é o clima meio mágico que o diretor tenta impor.

Amor à Tarde , de Eric Rohmer.
Pois bem, logo eu que não sou dos maiores fãs de Rohmer adorei este filme. Uma obra avassaladora sobre os sentimentos de um homem casado pela ex-namorada de um amigo seu. Desde o passeio pelos vários tipos de mulheres nas ruas de Paris (um texto maravilhoso) até o final petrificante, tudo é inteligente e inesperado neste filme.

26 de nov. de 2004

CRIMES PERFEITOS NÃO DEIXAM SUSPEITOS

Vinte anos depois, Gosto de Sangue ainda é um filme impecável



Uma cena deletada, uma cena reduzida. Enquanto George Lucas enche seus filmes antigos de novos e novos efeitos, a versão reloaded de Gosto de Sangue tem três minutos a menos que a original, mas ganhou uma deliciosa abertura-piada, que brinca com a carreira comercial do filme. Curioso é constatar que, apesar dos inegáveis muitos êxitos em vinte anos de cinema, nunca os irmãos Coen foram tão bons quanto em seu longa de estréia.

O noir caipira da dupla é a materialização perfeita de suas boas idéias. O roteiro obedece às regras do gênero, mas não se limita quando quer reescrevê-las. O ponto de partida é a descoberta de uma traição. A seu favor, os Coen contaram com uma inteligentíssima fotografia de Barry Sonnenfeld e uma trilha tão bonita quanto assustadora, cortesia do habitué Carter Burwell. Se Frances McDormand já dava indícios da grande atriz em que viria a se transformar, Dan Hedaya e o impagável detetive de M. Emmett Walsh tiveram aqui os melhores momentos de suas carreiras. O som remasterizado da nova versão valoriza silêncios e insinuações. Gosto de Sangue é um filme delicado, calculado, bem pensado, mas nunca esquemático. Algo bem perto da perfeição.

GOSTO DE SANGUE
Blood Simple, Estados Unidos, 1984.
Direção: Joel Coen (com Ethan Coen não-creditado).
Roteiro: Joel Coen e Ethan Coen.
Elenco: John Getz, Frances McDormand, Dan Hedaya, M. Emmet Walsh, Samm-Art Williams, Deborah Neumann, Raquel Gavia, Holly Hunter (voz), Barry Sonnenfeld (voz).
Fotografia: Barry Sonnenfeld. Montagem: Don Wiegmann e Roderick Jaynes (Joel e Ethan Coen). Música:: Carter Burwell e Jim Roberge. Direção de Arte: Jane Musky. Figurinos: Sara Medina-Pape. Produção: Ethan Coen.

nas picapes: Butterfly on a Wheel, The Mission.

VIDA CHEIA DE NEBLINA E SOMBRAS

Caracterização dark do filme de Vadim Perelman deixa conflito artificial



Tudo é muito intenso no filme de estréia de Vadim Perelman. Tão intenso, tão intenso que ultrapassa os limites do exagero. A proposta é sufocar o espectador com a história da disputa por uma casa. Uma mulher em crise não abre suas correspondências e descobre tarde demais que vai ser despejada - injustamente - do lugar onde mora, herança do pai. A casa vai a leilão e é comprada por uma família iraniana, capitaneada por um ex-coronel fugitivo. Tem início o duelo. O ponto de partida até promete, mas a estilização extrema do filme (desde o visual até a direção dos atores) deixa muito a desejar.

Como faz pouco para substanciar o conflito, Perelman recorre ao infalível escapismo do piscológico. Jennifer Connelly, mais linda que nunca (já acorda com sombra nos olhos e tudo), vaga pelas entranhas da depressão enquanto Ben Kingsley, o étnico por natureza (seja árabe, hindu ou judeu), guarda todo o rancor bárbaro no seu coração de bom iraniano. Shoreh Aghgdashloo, simpática iraniana de verdade que faz a clássica esposa estrangeira - submissa, porém forte - que ainda não sabe falar muito bem a língua do novo país. Os três, bons atores, se prendem às imperfeições da direção de Perelman, que trata de estereotipar tudo apesar da embalagem moderninha do filme.

Na medida do possível, o trio tenta fazer bonito, mas empaca nas embromações de um roteiro que tenta ser poético com tom de tragédia e melancolia artificial, convertido em imagens extremamente originais, como flashbacks em slow motion à beira-mar e nuvens aceleradas para mostrar que o tempo está passando. O clímax, então, é uma coisa.

CASA DE AREIA E NÉVOA
House of Sand and Fog, Estados Unidos, 2003.
Direção: Vadim Perelman.
Roteiro: Vadim Perelman e Shawn Lawrence Otto, com base no romance de Andre Dubus III.
Elenco: Jennifer Connelly, Ben Kingsley, Shoreh Aghdashloo, Frances Fisher, Ron Eldard, Kim Dickens, Jonathan Ahdout, Navi Rawat, Carlos Gomez, Andre Dubus III, Ashley Edner.
Fotografia: Roger Deakins. Montagem: Lisa Zeno Churgin. Música:: James Horner. Direção de Arte: Maia Javan. Figurinos: Hala Bahmet. Produção: Vadim Perelman e Michael London. Site Oficial: www.dreamworks.com/houseofsandandfog/index_nofl.html.

nas picapes: Como se Fosse a Primavera, Chico Buarque e Pablo Millanês.

RANKING OUTUBRO



Seria pouco provável ver outro primeiro colocado num mês em que um dos mais cultuados filmes de Ingmar Bergman é relançado no cinema. Muita gente colocou o adendo de que não o viu neste relançamento, o que deixa o leitor livre para decidir que o segundo colocado é o pole position. Segundo colocado que (malditos distribuidores!) somente estreou no Rio ou foi exibido em festivais e que, mesmo com poucos votos, conseguiu uma média invejável para uma continuação, gênero-maldição que parece que deu certo desta vez.

1 O Sétimo Selo, de Ingmar Bergman (9,34)
2 Antes do Pôr-do-Sol, de Richard Linklater (9,00)
3 Passagem Azul, de Chih-Yen Yee (8,00)
4 Kill Bill: Vol. 2, de Quentin Tarantino (7,70)
5 Casa de Areia e Névoa, de Vadim Perelman (6,50)
6 Os Doces Bárbaros, de Jom Tob Azulay (6,10)
7 O Abraço Partido, de Daniel Burman (5,90)
8 Mar Aberto, de Chris Kentis (5,66)
9 A Dona da História, de Daniel Filho (5,40)
10 Wimbledon - o Jogo do Amor, de Richard Loncraine (4,83)
11 A Voz do Coração, de Christopher Barratier (4,00)
12 Menina dos Olhos, de Kevin Smith (3,66)
13 Com a Bola Toda, de Rawson Marshall Thurber (3,33)
14 Resident Evil: Apocalipse, de Alexander Witt (3,16)
15 Chamas da Vingança, de Tony Scott (2,75)
16 Exorcista: o Início, de Paul Schrader e Renny Harlin (1,00)

filmes vistos por apenas um votante:
Como Fazer um Filme de Amor; O Espanta Tubarões; Rios Vermelhos 2: Anjos do Apocalipse; O Âncora; Paixão à Flor da Pele; Língua - Vidas em Português.

filmes que ninguém viu:
Billabong Odyssey; Com as Próprias Mãos; Diário de Princesa 2; Entre Casais; O Mais Belo Dia de Nossas Vidas; Meu Vizinho Mafioso 2; A Nova Cinderela; Queridinha

voto a voto:

Ailton Monteiro
Chamas da Vingança (4); Exorcista: o Início (0); Kill Bill: Vol. 2 (9,5); Mar Aberto (7); Resident Evil: Apocalipse (4); Wimbledon ? o Jogo do Amor (6).

Chico Fireman
O Abraço Partido (7,5); Casa de Areia e Névoa (4,5); Kill Bill: Vol. 2 (5,5); Mar Aberto (4); O Sétimo Selo (9); A Voz do Coração (3).

Diego Maia
Chamas da Vingança (1,5); Com a Bola Toda (4); A Dona da História (5); O Espanta Tubarões (3,5); Exorcista: o Início (3); Kill Bill: Vol. 2 (9); Mar Aberto (6); Menina dos Olhos (4); Resident Evil: Apocalipse (3,5); Rios Vermelhos 2 ? Anjos do Apocalipse (3); O Sétimo Selo (10); Wimbledon ? o Jogo do Amor (5,5).

Guilherme Lamenha
O Abraço Partido (7); Antes do Pôr-do-Sol (9); Os Doces Bárbaros (6,5); A Dona da História (6); Kill Bill: Vol. 2 (6); Língua (6); Passagem Azul (8); O Sétimo Selo (9).

Leon
A Dona da História (8); Kill Bill: Vol. 2 (8,5).

Marcelo V.
Os Doces Bárbaros (7); Kill Bill: Vol. 2 (8);Passagem Azul (7,5); O Sétimo Selo (9).

Peerre
O Abraço Partido (4); Antes do Pôr-do-Sol (7,5); Exorcista: o Início (0); Kill Bill: Vol. 2 (9); Mar Aberto (5); O Sétimo Selo (8,5).

Sérgio Alpendre
O Abraço Partido (5); O Âncora (7,5); Antes do Pôr-do-Sol (9,5); A Dona da História (4); Kill Bill: Vol. 2 (9); Paixão à Flor da Pele (8); Passagem Azul (8,5); O Sétimo Selo (10).

Teco Apple
Antes do Pôr-do-Sol (10); Casa de Areia e Névoa (9); Com a Bola Toda (4); Kill Bill: Vol. 2 (8,5); Mar Aberto (7); Menina dos Olhos (5); Resident Evil: Apocalipse (2).

Tiago Superoito
O Abraço Partido (6); Casa de Areia e Névoa (6); Com a Bola Toda (2); Como Fazer um Filme de Amor (2); A Dona da História (4); Kill Bill: Vol. 2 (8); Mar Aberto (5); Menina dos Olhos (2); O Sétimo Selo (10); A Voz do Coração (5); Wimbledon ? o Jogo do Amor (3).

15 de nov. de 2004

VIDAS SEM RUMO

Novo filme de Daniel Burman acompanha personagem à procura de explicações



E Ariel entra em cena para apresentar seus coadjuvantes: homens e mulheres que trabalham na galeria onde esta a loja que ele toma conta junto com a mãe. Herança de um pai que partiu para uma guerra da qual nunca mais voltou, deixando-o ainda bebê. Não voltou porque não quis. Para Ariel, sobrou o ressentimento e uma queda para a abstração. Ele não consegue gostar da vida que leva e acha que aproveitar sua descendência polonesa pode mudar alguma coisa.

Quem gosta de fazer associações pode enxergar que Daniel Burman, que mais uma vez se associa ao ator Daniel Hendler, utiliza as nebulosas perspectivas de seu protagonista para alegorizar a falta de perspectivas de seu país. Câmera na mão, caminha com Ariel pelas ruas de uma Buenos Aires que não está nos cartões postais. Desfila um caos coordenado de personagens entre a conformação e a apatia. Ou cujo grande movimento de suas vidas perdeu o significado num estalar de dedos. O filme é montado em capítulos que obedecem certa ordem cronológica, mas não seguem padrões estrturais. Falta explicação. Falta fechar as arestas. É justamente esse caos que faz de O Abraço Partido um belo filme.

O ABRAÇO PARTIDO
El Abrazo Partido, Argentina/França/Itália/Espanha, 2004.
Direção: Daniel Burman.
Roteiro: Daniel Burman e Marcelo Birmajer.
Elenco: Daniel Hendler, Adriana Aizemberg, Jorge D'Elía, Sergio Boris, Rosita Londner, Diego Korol, Silvina Bosco, Isaac Fajm, Melina Petriella, Atilio Pozzobon, Mónica Cabrera, Franco Tirri, Luciana Dulizky, Eloy Burman, Juan José Flores Quispe, Francisco Pinto, Eduardo Wigutow, Arnoldo Schmidt, Catalina Cho, Pablo Kim.
Fotografia: Ramiro Civita. Montagem: Alejandro Brodersohn. Música:: César Lerner. Direção de Arte: Maria Eugenia Sueiro. Figurinos: Roberta Pesci e Natalia Zubeldía. Produção: José María Morales. Site Oficial: www.ocean-films.com/lefilsdelias.

rodapé:

Eu saía de um filme chato. Era uma sessão de meia-noite no Espaço Unibanco. O cabelo prateado (ou algo assim) me chamou atenção. Ela estava numa mesa de bar, a única que ainda restava. A mesa se dividia em núcleos de conversa. Ereta, dava uma tragada num cigarro. Os dois que estavam ao seu lado conversavam entre si. Quando eu passei, ela me olhou. Elke Maravilha sorriu pra mim.

nas picapes: Dura na Queda, Elza Soares.

12 de nov. de 2004

Top Ten Mostra de São Paulo 2004



Listinha, sabem vocês, é comigo mesmo. Segue aqui uma lista (com idas vindas, mudanças de opinião, análise sobre análise) com os filmes de que eu mais gostei nos dias que passei na Mostra de Cinema de São Paulo. Em breve, posto aqui uma lista coletiva, com as opiniões de outros colegas. Lucrecia Martel é a minha diretora favorita hoje em dia.

melhores filmes

1 La Niña Santa, de Lucrecia Martel
2 Zatoichi, de Takeshi Kitano
3 A Casa Vazia, de Kim ki-duk
4 Caçados por Sonhos, de Buddhadeb Dasgupta
5 Whisky, de Juan Pablo Rebella e Pablo Stoll
6 O Quinto Império, de Manoel de Oliveira
7 Sarabanda, de Ingmar Bergman
8 Família Rodante, de Pablo Trapero
9 Tartarugas Podem Voar, de Bahman Ghobadi
10 Maria Cheia de Graça, de Joshua Marston

melhor direção
Lucrecia Martel, em La Niña Santa

melhor ator
Erland Josephson, em Sarabanda

melhor atriz
Mirella Pascual, em Whisky

melhor roteiro
Caçado por Sonhos

melhor fotografia
Família Rodante

melhores montagem, música e sonoplastia
Zatoichi

melhor direção de arte
Herói

Mostra de Cinema 2004, dia 10:


Os Educadores, ingenuidade vem a calhar

Terra Prometida , de Amos Gitaï.
(Promised Land, França/Israel, 2004)
Contrabando de mulheres do Leste Europeu para Israel. Amos Gitaï acerta no tratamento dado ao tema. A prostituição ganha tom documental, tanto na fotografia digital (finalmente uma câmera digital acertada) quanto na quase abolição do diálogo. A maioria das poucas palavras que se houve é ruído e não um diálogo feito para que o espectador ouça. Este assume uma posição de voyeur natural, como se não houvesse filme.

Questão de Imagem , de Agnès Jaouï.
(Comme une Image, França, 2004)
A velha história do homem de negócios muito ocupado, preocupado com os negócios, o dinheiro, a badalação, e displicente com a família e os amigos. Tudo isso travestido de comédia moderna francesa, com diálogos ágeis e bons atores. Pois é, O Gosto dos Outros (2000) era melhor.

Os Educadores , de Hans Weingarten.
(The Edukators, Alemanha/Áustria, 2004)
O que transforma este filme num belo filme é que ele é tão convicto de suas ideogogias que se torna quase ingênuo, adolescente. A presença do mesmo Daniel Bruhl de Adeus, Lênin (2003) no elenco reafirma essa idéia. O personagem dele e mais um colega invadem mansões, rearrumam os móveis e deixam bilhetes para assustar os riquinhos. Até que alguma coisa dá errado. Na melhor cena do filme, surge a pergunta: como você, com um passado destes, se transformou no que você é? Resposta: acontece sem a gente sentir. Não precisava de "Hallellujah" três vezes no final (a trilha já é boa o suficiente), anunciando redenção. Não precisava do bilhetinho na parede. Os Educadores faz parte de um cinema alemão que não é chato. Isso já é bastante coisa.

Herói , de Zhang Yimou.
(Hero, China/Hong Kong, 2002)
Não há como dizer outra coisa: Herói é um filme fraco. A intervenção de Zhang Yimou no mundo das artes marciais e dos filmes históricos orientais ficou anos-luz aquém do que Ang Lee fez em O Tigre e o Dragão (2001). Com um roteiro mal amarrado, cheio de buracos narrativos e com tom nacionalista desnecessário, Yimou se sustenta no esplendor visual que pretende criar. Mas comete novo pecado. Na intenção de fazer o filme mais bonito do cinema, carrega na artificialidade de combates (cujo tom nunca é o da fantasia, mas o da inverossimilhança), no cálculo exarcebado na construção da fotografia (as belíssimas cores ganham a redundância dos cenários e o degradê beira o exagero), e nos elementos kitsch, como o vento que faz os figurinos esvoaçarem mais que em comercial de Molico à beira-mar. É uma pena, mas Herói é o filme mais fake do ano.

11 de nov. de 2004

Mostra de Cinema 2004, dia 9:



Tae Guk Gi , de Je-gyu Kang.
(idem, Coréia do Sul, 2004)
Este filme é realmente único. Uma megaprodução cheia de efeitos visuais que veio da Coréia do Sul. Um épico com ares de clássico norte-americano dos anos 30, moldado com o que a tecnologia mais atual tem a oferecer: a fotografia naquele tom de reality show, edição rápida, sonoplastia acentuada, violência sem limites, feita pra chocar mesmo (para mostrar os horrores da guerra, sabe?). E é por se aproximar com tanta fúria do cinema dos Estados Unidos que a história dos dois irmãos mandados para a Guerra da Coréia parece artificial e não convence. É um cinema que nasce vendido, entregue, chupado do que o filme norte-americano tem de pior. O uso da trilha chega a ser imoral. Os protagonistas interpretam como se estivessem em Hollywood. Talvez seja por isso que a Coréia do Sul espera concorrer ao Oscar com este filme aqui.

Contra a Parede , de Fatih Aik.
(Gegen Die Wand, Alemanha, 2004)
Moderno mesmo, hoje em dia, é quem tem sotaque. Efeitos da globalização. Explicação para que este filme, um decendente de Casamento Grego (2002) e Casamento Arranjado (2001) travestido de filme contemporâneo. A fórmula é simples: soma-se câmera digital trêmula, sexo, drogas, rock'n'roll e violência. O resultado é filme velho com cara de novo. Com alguns bobões que ainda compram a idéia e dão prêmio em festival importante, carreira assegurada.

Sarabanda , de Ingmar Bergman.
(Saraband, Suécia, 2003)
Não existe um diretor de atores como Ingmar Bergman. O reencontro dos personagens de Liv Ullmann e Erland Josephson em Cenas de um Casamento (78) é um palco para grandes interpretações. Bergman usa um cenário estritamente teatral, fechado, com não mais que dois personagens em cena. Mas quando o espectador acha que a força do filme está apenas no texto e nos atores - o que já não seria pouca coisa já que o filme se debruça mais uma vez nos murmúrios bem guardados de uma família - o cineasta surge com um plano absolutamente lindo. Bergman agora só faz TV, mas nunca deixou de fazer cinema.

10 de nov. de 2004

Mostra de Cinema 2004, dia 8:


Feminices, foto ruim para um filme bom

10 sobre Dez , de Abbas Kiarostami.
(10 on Ten, Irã/França, 2003)
Interessantíssimo documentário para se entender a dinâmica do cinema de Abbas Kiarostami. O diretor se aproveita da estrutura do seu então último filme, Dez (2002), para dar "aulas" do seu cinema. O filme tem um endereço certo, os estudantes de cinema ou cineastas aspirantes, mas é uma bela janela para quem quer conhecer melhor a lógica do cinema do iraniano (a pouca utilização de música, a busca pela naturalidade, o apego aos não-atores). Apesar de terminar revelando uma certa animosidade com o cinema norte-americano, 10 sobre Dez revela algumas das verdades invisíveis dos filmes de Kiarostami.

Visões da Europa , de vários.
(Visions of Europe, União Européia, 2004)
Um filme que é a colagem de 25 curtas dificilmente teria um resultado uniforme. A primeira desigualdade foi a de temas: uns preferiram a política (praticamente todos têm um visão bastante pessimista da União Européia), muitos resolveram falar da imigração (com resultados bastante irregulares) e outros preferiram a abstração. Entre cineastas desconhecidos e consagrados, o britânico Peter Greenaway é quem consegue o melhor resultado. Seu The European Showerbath é uma metáfora simples e eficiente (e muito bem filmada) para a confusão da UE. O grego Constantine Giannaris, com Room for All, faz o melhor dos filmes sobre a imigração: inteligente, bem editado e original. O holandês Euroquiz, de Theo Van Gogh, com seu game show absurdo, e Euroflot, de Arvo Iho, da Estônia, são os mais engraçados. O finlandês Aki Kaurismaki vai a Portugal, na aldeia de Bico, e mostra que a Europa ainda é medieval. E o esloveno Damjan Kozole acerta na simplicidade e faz de seu Evropa o mais sutil dos episódios.

Feminices , de Domingos de Oliveira.
(idem, Brasil, 2004)
Domingos de Oliveira recupera seu humor depois do ponto contra de Separações (2003). Este filme é uma belíssima surpresa, escorado no timing imoral do diretor para a comédia e nas deliciosas interpretações do quarteto fantástico de atrizes, com destaque para Clarice Niskier, autora da pessoa que baseia o filme, e a fofíssima Dedina Bernadelli, que me fez voltar à infância e às novelas da Globo nos anos 80 - por sinal a piada da série da Globo é ótima. Curioso que o que mais poderia dar errado (os comentários dos homens sobre as mulheres de 40) funciona muito bem.

9 de nov. de 2004

Mostra de Cinema 2004, dia 7:


Ágata e a Tempestade, porque os pequenos podem bater os mestres

Steamboy , de Katsuhiro Otomo.
(idem, Japão, 2004)
Katsuhiro Otomo é o criador de Akira, o mangá que se tornou filme de animação. O meu favorito. Em Steamboy, ele volta a falar da tecnologia apesar de situar a história na Inglaterra do século 19. Um garoto recebe do avô a missão de proteger uma criação dele das mãos de cientistas malvados, entre os quais alguém que ele julgava morto. Apesar de ser, mais uma vez, extremamente bem sucedido na concepção visual de seu filme (a mistura de passado e futuro é muito boa), há um certo incômodo na visão de ciência como um condutor para a corrupção do homem. Otomo não parece apostar na idéia, mas não deixa de defendê-la. E há aqui e ali uns ecos de Guerra na Estrelas (George Lucas, 77) com direito a Darth Vader e a uma Estrela da Morte.

Twinni , de Ulrike Schweiger.
(idem, Áustria, 2003)
Eu queria muito que alguém me explicasse porque é que todo cineasta agora tem que brincar com os limites entre real e imaginário. Twinni poderia tranqüilamente ser a pequena história de uma adolescente cujos pais se separam indo morar no interior no a mãe e a irmã. Lá, ela teria que se adaptar ao ritmo e aos ritos da cidade e ainda encontraria um primeiro amor. Seria bonitinho, corretinho, nada demais, nada de menos. Mas a diretora austríaca inventa uns delírios da moçoila que não encontram explicação ou mesmo razão para sua existência. Por sinal, eles criam imagens de gosto bem duvidoso.

Ágata e a Tempestade , de Silvio Soldini.
(Agata e la Tempesta, Itália/Suíça/Inglaterra, 2004)
Ainda que não tão bom quanto Pão e Tulipas (2000), o novo filme de Silvio Soldini é uma daquelas comédias que parecem pequenas, mas trazem grandes discussões. Licia Maglietta, lindíssima, é vendida como protagonista, mas na verdade é coaduvante do drama de Emilio Solfrizzi, seu irmão que descobre que foi adotado. Quase uma dezena de personagens entram em cena com tramas paralelas onde se discute certo e errado, desenraizamento, a natureza das pessoas... tudo com um humor latino delicioso.

Os Sonhadores , de Bernardo Bertolucci.
(The Dreamers, Itália/França/Inglaterra/Estados Unidos, EUA, 2003)
Decepcionante o novo filme do Bertolucci. O encontro entre o estudante norte-americano e os gêmeos franceses é estranhamente mal resolvido. Estranhamente porque Bertolucci é um ás em dar belos desfechos para histórias difíceis, como no clássico O Conformista (70) ou no recente Assédio (98). Há uma série de motivos para gostar de Os Sonhadores: as inúmeras referências ao cinema, o pensamento esquerdista de um maio de 68, a descoberta do sexo, do amor, do reconhecimento promovida pelo encontro dos três protagonistas. Mas há algumas interferências nesta assimilação: Bertolucci não faz um retrato da época (isso é pincelado, mas nunca assumido); as supostas homenagens ao cinema muitas vezem caem na num discurso vazio e apenas servem como ilustrações luxuosas, mas gratuitas; os conflitos (poucos, sejamos sinceros) entre o trio são mal desenvolvidos e muito pior resolvidos.

Mostra de Cinema 2004, dia 6:


Zatoichi e a certeza de que Kitano é um grande cineasta

Herencia , de Paula Hernández.
(idem, Argentina, 2001)
Filme visto para cumprir tabela que se revelou bem melhor que a encomenda. Dois estrangeiros em Buenos Aires: solidão, identificação. O longa de Paula Hernández é sobre reconhecer-se no outro, diferente na origem, na idade, nos interesses. E a diretora é delicada ao tratar a questão. Ótima Rita Cortese. Mais um ponto para a Argentina.

Tartarugas Podem Voar , de Bahman Ghobadi.
(Lakposhta Ham Parvaz Mikonand, Irã/Afeganistão, 2004)
Melhor filme de Ghobadi, que volta a enxergar o mundo pelo ponto de vista das crianças, que comandam a ação em seu primeiro longa. Uma visão realmente original sobre o caos no Oriente Médio. Ghobadi não tem medo de abrir as feridas, de mostrar crianças aleijadas no corpo e na cabeça. Consegue momento realmente bonitos quando, como disse melu amigo Guilherme, faz seu Sattellite incorporar um ar de Peter Pan. Tanto seu protagonista quanto seu assistente chorão são impagáveis.

Whisky , de Juan Pablo Rebella e Pablo Stoll.
(idem, Uruguai/Alemanha/Argentina, 2003)
Havia uma fábrica de meias, bem pequena. O dono era um solteirão, já na casa dos cinqüenta e tantos. A visita de seu irmão bem-sucedido faz com que ele engula seu orgulho e peça para uma funcionária se passar por sua esposa. O mote simples poderia render uma comediazinha daquela que os atores e atrizes já quase velhinhos de Hollywood fazem para mostrar que ainda encontram bons papéis. E cujo fim anuncia a redenção tão esperada pelo cinema fácil. Basta descer a linha do Equador para que dois diretores consigam transportar essa proposta num belíssimo exemplo de como a falta de comunicação (ou pior, da incapacidade de se comunicar) empaca uma vida. Whisky mostra personagens críveis, presos a correntes invisíveis que fazem um barulho danado. E tem a melhor atriz da mostra, talvez.

Zatoichi , de Takeshi Kitano.
(idem, Japão, 2004)
O Clint Eastwood japonês se reiventa a cada filme. Depois de reconstruir histórias de amor do teatro japonês para o cinema no magnífico Dolls (2002), o cineasta invade o mundo de ronins e samurais num filme que aparenta despretensão, mas se revela muito mais rico. Ao mesmo tempo em que resgata as histórias épicas de seu país, Kitano faz uma homenagem aos musicais norte-americanos. São várias as cenas em que o diretor promove balés ao som da espetacular trilha sonora (com elementos eletrônicos que parecem reproduzir o som do que está na tela. A fotografia, assinada pelo próprio Kitano, tem tons pouco vivos provavelmente para incorporar melhor os muitos efeitos digitais que rebuscam as cenas de luta. A câmera rápida e montagem, mais ágil ainda são complementares. E há muito sangue. No meio de toda a violência, há espaço para cenas de humor, muitas vezes protagonizadas por Beat Takeshi, seu alter ego ator, e para a revelação de que Kitano ainda é o homem sensível de sempre, abordando num cenário como este temas tão delicados quanto homossexualismo e pedofilia.

7 de nov. de 2004

Mostra de Cinema 2004, dia 5:


A Casa Vazia, a obra-prima do festival até o momento

La Niña Santa , de Lucrecia Martel.
(idem, Argentina/França/Itália, 2004)
Uma das mais fascinantes características das histórias contadas por Lucrecia Martel é que nada do que está por vir pode ser previsto. A cineasta argentina da obra-prima O Pântano (2001) volta a invadir os pequenos segredos de seus personagens num filme em que as perspectivas estão nubladas para todos e há pouco em que se agarrar. O cinema de Lucrecia é humanista no mesmo grau de que é desesperado. Privilegia os personagens em detrimento da narrativa. Esmiuça o que pode de suas pobres mentes sem nunca nos entregar seus pensamentos. Consegue resultados impressionantes. Ninguém faz o que essa mulher faz hoje no cinema.

A Vida é um Milagre , de Emir Kusturica.
(Zivot Je Cudo/Life is a Miracle, Iugoslávia/França, 2004)
A volta à guerra trouxe um Emir Kusturica dividido entre a beleza de sua já clássica incursão pelas possibilidades do fantástico, do circense e sua prisão na ´própria armadilha ao se embrenhar pelo pastelão excessivo. Slavko Stimac é o melhor em cena, como o engenheiro que vê a proximidade do conflito desestruturar sua família. Na visão de Kusturica (que já nos entregou uma obra-prima sobre a guerra, Underground, 95), essa história permite brincar com os limites entre o real e o surreal embalado pela música composta por ele mesmo. Dos elementos mágicos que insere em seu longa, o burro apaixonado é, de longe, o melhor.

A Casa Vazia , de Kim ki-duk.
(Bin Jip, Coréia do Sul, 2004)
A obra-prima só apareceu aos meus olhos quase no fim do festival. A Casa Vazia é de uma beleza completa, seja julgado sobre o prisma que for. Caso se resumisse a história do homem que invade residências vazias e um dia se depara com alguém numa delas, já seria um filme impressionante, mas é o coreano Kim ki-duk vai além. A história de amor que surge entre os protagonistas foge do óbvio apostando em que não é preciso explicar nada. Amor não se explica. O mágico aparece como complemento para a trama. A dupla de atores com suas interpretações minimalistas e mudas consegue poesia. Pena que eu só vi uma vez.

O Revólver Amado , de Kensaku Watanabe.
(The Loved Gun, Japão, 2004)
Old Boy , de Park Chan-Wook.
(idem, Coréia do Sul, 2004)
Dois mangás feitos para celulóide que contam histórias de vingança. A diferença é o resultado. O Revólver Amado, do mesmo diretor do fraquíssimo e pretensioso A História de Pupu (99), é bem irregular. A história do assassino profissional caçado pelo próprio mentor consegue momentos visualmente inspirados, justamente quando mais se aproxima do mangá, mas não sabe traduzir isso para sua narrativa. Já Old Boy consegue um resultado muito melhor. É realmente uma históiria em quadrinhos adulta filmada. O virtuosismo (quase excessivo) de sua concepção visual e a vontade de ser definitivo atrapalham um pouco esse caminho, mas ainda assim o filme é uma belezinha.


 
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